Breve história da conformação


Primórdios da atividade humana

Conformação de metais é uma das mais antigas atividades humanas. É interessante citar que já se fazia conformação antes mesmo de se desenvolverem as técnicas para extrair os metais de minérios. Porém de onde vinha então a matéria-prima? De meteoritos!
Meteorito metálico




Meteoritos metálicos tem uma composição semelhante à do aço, por isso as ferramentas fabricadas com eles possuíam propriedades superiores. Já se usavam meteoritos muito antes de se conseguir produzir o aço! Dá para imaginar o valor que um punhal ou uma espada tinham na idade do bronze!
Os antigos sumérios (6.000 a.C.) já faziam uso de meteoritos metálicos.


A palavra em sumério AN.VAR significa ferro celestial, ou ferro das estrelas. Um exemplo de ferramenta fabricada com aço de meteoritos é o punhal encontrado na tumba de Tutancâmon, no Egito.

Punhal de aço do Rei Tutancâmon

Existem registros históricos semelhantes nas antigas Mesopotâmia, Egito, Afeganistão, América Central e Oriente Médio. Nesta época, o ferro meteorítico era considerado um material muito mais valioso que o Bronze, a Prata e o Ouro.
 
Os primeiros registros históricos da fabricação do ferro datam de 2000 a.C, na região da Anatólia (atual Turquia).


Atividade siderúrgica no Egito antigo

O desenvolvimento de técnicas para fabricação de ligas metálicas, denominada siderurgia, representou uma revolução para as antigas sociedades. Para se ter uma ideia da importância, veja a passagem da bíblia cristã:

„...terra em que comerás o pão sem escassez, e onde não te faltará coisa alguma; terra cujas pedras são ferro, e de cujos montes poderás cavar o minério.“
Deuteronômio 8:9 
 

Alto forno primitivo
Na Europa, a idade do ferro inicia-se por volta de 1200 a.C. Nessa época os processo utilizados não permitiam a obtenção de uma matéria prima de qualidade, contendo elevado grau de impurezas. 

Idade Média

A fabricação de ligas ferrosas na Idade Média era uma atividade que exigia muita experiência e cercada de mistérios. A técnica foi mantida em segredo por representarem uma vantagem estratégica nas guerras. Os grupos humanos da Idade Média eram organizadas em sociedades feudais, tendo como características principais:

- Economia agrária.
- Escassa circulação monetária.
- Todo o excedente era propriedade do senhor.
- O feudo e os seus habitantes eram propriedades do clero e da nobreza.


Siderurgia na idade média

O material produzido na época não podia ser utilizado diretamente após a fundição, sendo necessário reaquecer o metal e bater com um martelo, dando-se assim a forma desejada ao mesmo. Ou seja: conformando.

Forjamento de uma ferramenta na idade média

O primeiro processo de conformação a existir foi provavelmente o forjamento com martelo de um pedaço de metal maleável ou aquecido a altas temperaturas para torná-lo maleável. As técnicas usadas permitiam a confecção de foices, punhais, pregos, espadas, martelos, armaduras, etc. O forjador, ou ferreiro, era uma pessoa muito disputada, sendo que nas guerras eram poupados e mudavam de senhor volta e meia.


Espadas: uma das armas mais letais na idade média e cujos segredos de fabricação eram dominados pelos ferreiros

No Brasil um bom lugar para conhecer ao vivo alguns exemplos da habilidade dos antigos ferreiros europeus é no museu situado no Instituto Ricardo Brennand, em Recife, Pernambuco. Lá eu tive uma grande surpresa quando saí de férias em 2011. Pegamos um pacote de viagem para o nordeste, e imaginei que iria ficar o tempo todo aproveitando as praias... para minha surpresa, um dos passeios incluídos no pacote era conhecer o museu. Foi bom para variar um pouco. Nunca imaginei que iria ver algo do tipo no nordeste. Bom para mostrar a riqueza cultural daquela região de Nosso País. Lá é possível ver a maior coleção de armas brancas do Brasil, com exemplares antigos e raros, inclusive várias lâminas de aço damasceno. O museu fica em um castelo estilo europeu, na verdade a pessoa se sente na Europa quando entra lá. Recomendo. Abaixo algumas imagens.


Armadura: uma dos primeiros exemplos da aplicação de metais laminados (chapas). Fonte: Instituto Ricardo Brennand

Cavalo com "carrosseria" ;): Armadura protegendo o homem e a sua montaria. Fonte: Instituto Ricardo Brennand

Até para os cães eram confeccionadas armaduras! Fonte: Instituto Ricardo Brennand

Detalhe do ombro, mostrando a riqueza dos entalhes. Fonte: Instituto Ricardo Brennand

O Elmo: será que dava pra enxergar alguma coisa... Fonte: Instituto Ricardo Brennand

Detalhe da proteção para os pés. Fonte: Instituto Ricardo Brennand

Uma das inúmeras vitrines da coleção do museu em Recife, PE. Fonte: Instituto Ricardo Brennand


Durante séculos a conformação de metais continuou sendo um processo de fabricação artesanal. Antes da Revolução Industrial, a atividade produtiva era artesanal e manual (daí o termo manufatura), no máximo com o emprego de algumas máquinas simples.

Dependendo da escala, grupos de artesãos podiam se organizar e dividir algumas etapas do processo, mas muitas vezes um mesmo artesão cuidava de todo o processo, desde a obtenção da matéria-prima até à comercialização do produto final. Esses trabalhos eram realizados em oficinas nas casas dos próprios artesãos e os profissionais da época dominavam muitas (se não todas) etapas do processo produtivo.

O período pré-Revolução foi caracterizado por:
- Trabalhadores dominando todo o processo
- Ferramentas simples e de uso geral
- Consumidores individuais
- Baixo volume
- Baixa confiabilidade (qualidade)
- Sem padronização

Revolução Industrial

Mais tarde, o desenvolvimento de novas ligas e novos processos para dar forma a peças metálicas formaram a base para que a Revolução Industrial pudesse se tornar uma realidade. 

A Revolução Industrial foi uma verdadeira "Revolução das Máquinas", tendo se originado no Reino Unido impulsionada por uma combinação de fatores como:
- liberalismo econômico (Adam Smith)
- a acumulação de capital
- uma série de invenções, tais como o motor a vapor
- sistema de patentes
- o capitalismo torna-se o sistema econômico vigente
Somente após o desenvolvimento de materiais de melhor qualidade e máquinas para automatizar os processo (Revolução Industrial) é que começaram a surgir novos processos, até chegar no estágio em que estamos atualmente.
Até por volta de 1850 a mecanização dos meios de produção continua sempre crescente. Máquinas mais precisas permitem a fabricação de peças mais precisas, que por sua vez originam máquinas mais precisas ainda.

Primeiro torno: 1797

1ª metade do século 19: Primeiras máquinas de usinagem (torno, fresadora, retífica, furadeira)


Com a crescente mecanização foi possível realizar a divisão do trabalho em operações, cujas vantagens eram: 
- Repetição da operação
- Eliminação de movimentação
- Simplifica as operações e o treinamento 
- Desvantagens: fadiga, desbalanceamento de linha/ repetições 

Outra característica da 2ª metade do século 19: foi a era da eletrificação! Primeiras usinas geradoras, primeiros motores a corrente alternada.
Início do século 20: Começa a produção em massa de bens de consumo. Primeiras medidas para melhoria do rendimento da produção, simplificação e reduções de custo.
Surgimento do Taylorismo: Taylorismo ou Administração científica é o modelo de administração desenvolvido pelo engenheiro norte-americano Frederick Taylor (1856-1915), considerado o pai da administração científica e um dos primeiros sistematizadores da disciplina científica da administração de empresas

O taylorismo caracteriza-se pela ênfase nas tarefas, objetivando o aumento da eficiência ao nível operacional.
- Estudo de tempos e movimentos
- Tempos de operações padronizadas
- Aptidões dos trabalhadores
- Gerência: pensar e treinar
- Trabalhadores: implementar e cumprir

Ambiente fabril na segunda metade do século 19

1913: Henry Ford cria a linha de montagem. Ele foi o fundador da Ford Motor Company e o primeiro empresário a aplicar a montagem em série de forma a produzir em massa automóveis em menos tempo e a um menor custo. A introdução de seu modelo Ford T revolucionou os transportes e a indústria. A inovadora linha de montagem de Ford tinha condições de fabricar um carro a cada 98 minutos, além de que ele oferecia altos salários a seus operários — notavelmente o valor de 5 dólares por dia, adotado em 1914.

Características do Fordismo:
- Produção em massa.
- Qualquer peça para qualquer carro.
- Máquinas dedicadas, padronização.
- Controle da qualidade no final da linha. 
Produção individual do Ford Duryea (1896) antes da implementação da linha de montagem: uma bagunça

Linha de produção do Ford modelo “T” (1913)
 1ª metade do século 20: acontece gradualmente a transição de produção manual para a produção com máquinas também nas técnicas de conformação de chapas.

 
Conformação de chapas: Transição de produção manual para produção com máquinas
“Estamparia” primitiva por volta de 1910
1ª metade do século 20: Primeiras máquinas para conformação (prensas, martelo de forja)

Indústria nos séculos 20/ 21


O desenvolvimento da tecnologia de computadores proporcionou o desenvolvimento de novas tecnologias como robôs industriais, linhas de produção totalmente automatizadas e tecnologias como reconhecimento de imagens e inteligência artificial.
Acoplamento de várias prensas em uma linha automatizada para conformação de carrocerias automotivas

Séculos 20/ 21: Ampla utilização de células automatizadas 
Prensa de forjamento automatizada com robôs industriais






Robô manipulando peças de chapa em uma prensa dobradeira



Séculos 20/ 21: Métodos virtuais de planejamento da produção 
Modelo tridimensional de uma ferramenta de conformação de chapas projetado em um sistema CAD (partes superior e inferior)



Uso de realidade virtual para estudar ergonomia em uma linha de montagem automobilística



Simulação da conformação de um componente de chapa

Crash-test simulado em computador antes mesmo do primeiro protótipo do automóvel ser produzido

Simulação da conformação de uma lateral de automóvel em um sistema CAE. As diferentes cores indicam a espessura em diferentes regiões