31 março 2012

Aço Damasceno Parte III – Fabricação



Bem no início a tecnologia de fabricar o ferro tinha um efeito pequeno nas culturas em que estava presente. Muito dos utensílios de ferro primitivos faziam essencialmente o mesmo que os de bronze ou cobre. Mas, quanto mais esse material era usado, mais os ferreiros aprendiam como melhorar suas propriedades. Com o tempo, três métodos de transformação de ferro em aço foram criados: aço ondulado e martelado (watered or pattern-welded steel), wootz e damasco verdadeiro.

Aço
ondulado e martelado (watered or pattern-welded steel)

Aço martelado foi o método mais comum usado na antiga Europa, Japão e mais tarde nas Filipinas. Explicado de uma forma simples, pequenas barras de aço macio eram forjadas, juntando-as com aquecimento até altas temperaturas e martelando os pedaços ate soldá-los, repetindo esse processo por diversas vezes ate atingir tamanho e dureza suficientes. Dobrando e soldando os pedaços repetidas vezes aumenta-se a dureza do aço através de aumento no teor de carbono. Esse era um processo longo e tedioso e muitas pecas eram perdidas antes de ficarem prontas, por excesso de aquecimento e quebra. Camadas de aço macio e mole criados por esse processo são responsáveis pelo aspecto ondulado presente na superfície. Quando menor o numero de camadas, mais largas são as ondas. Algumas espadas japonesas possuem ate 36000 camadas, sendo muito difícil discerni-las a olho nu!  


Wootz

Costuma-se acreditar que a matéria prima original do aço damasceno é um tipo de minério procedente da Índia, conhecido como wootz. Na verdade a cidade de Damasco nunca foi uma grande produtora de aço e sim um grande centro de comercio do Oriente médio antigo. Portanto, a maior parte das lâminas que chegaram ao ocidente veio por esse caminho.






Também é importante citar que o wootz usado na fabricação do aço damasceno original não era fabricado a partir de dobras e martelamento, era na verdade um dos primeiros exemplos de aço de alto carbono homogêneos. Uma das qualidades do aço que os indianos fabricavam era que quanto mais alto o teor de carbono mais baixo é o ponto de fusão. Muitas culturas enfrentavam dificuldades na fabricação do aço devido a alta quantidade de calor necessário para chegar ao ponto de fusão. Para liquefazer o ferro completamente é necessário muito mais calor que os processos de aquecimentos da época conseguiam produzir. Os indianos colocavam o ferro bruto em cadinhos hermeticamente selados, junto com um tipo especial de carvão e aqueciam os mesmos em fortes fogueiras. Na medida em que o ferro absorvia o carbono dentro do ambiente selado, seu ponto de fusão ia baixando. Quanto menor seu ponto de fusão, mais carbono vai sendo absorvido, gerando um circulo vicioso que resultava em um aço de alto teor de carbono homogêneo e com relativamente boa qualidade. Dobra e martelamento para cementar o aço não eram necessários. Os padrões das laminas fabricadas a partir do wootz são causados pela grande quantidade de cementita na estrutura desse aço.

Damasco verdadeiro


O último método a ser descrito aqui é o damasco verdadeiro. O mais famoso e mal entendido método de produção, o Damasco ganhou sua fama na Europa e mundialmente devido às campanhas das Cruzadas. Existem muitas lendas em torno do famoso Aço Damasceno, todas relacionadas à sua fantástica flexibilidade e capacidade de ser afiada. Uma dessas lendas refere-se ao encontro entre Ricardo Coração de Leão e Saladin (a propósito, dizem que eles nunca se encontraram de verdade). De acordo com a lenda, Ricardo, querendo impressionar os Muçulmanos, cortou em dois uma grossa barra de ferro com um único golpe de sua larga espada. Saladin, ao invés de mostrar qualquer temor, arremessou um lenço de seda no ar e cortou o mesmo em pedaços com sua lamina de damasco. De acordo com outra lenda, uma lamina de damasco era tão flexível que um homem poderia, com uma mão em cada extremidade, curvá-la ao redor do corpo, e quando solta a lamina iria ficar reta novamente. Mas qual é a diferença entre a fabricação desse aço e a do aço martelado ou aço wootz?



O verdadeiro aço Damasceno, tradicionalmente fabricado na cidade de Damasco, era produzido da seguinte forma: Aço bruto de baixo carbono era martelado em laminas muito finas. Uma pilha dessas lâminas feita e mantida junta com arames. Em um cadinho, aço com alto teor de carbono era aquecido até derreter. As pilhas de laminas de aço com baixo carbono eram então mergulhadas no aço de alto carbono derretido. O aço frio então “sugava”, por ação de capilaridade entre as lâminas da pilha, o aço derretido. Com isso o aço das laminas era parcialmente fundido, soldando as laminas em uma massa sólida. Essa massa era “forjável” (por martelamento) por um curto espaço de tempo, sendo martelada para dar forma enquanto ainda estava quente.



Um grande problema de laminas fabricadas dessa forma é que elas não podem ser reaquecidas e reforjadas como o aço martelado e o aço wootz. Devido ao teor de ferro fundido, quando uma lamina de aço damasceno é reaquecida, uma batida com martelo faz com que ela se quebre em vários pedaços, como descobriram os ferreiros europeus quando tentaram reforjar algumas espadas trazidas pelos cruzados. Portanto, após o martelamento grosseiro feito ainda com o calor do ferro fundido, o único trabalho a fazer na lamina era retífica, afiação e polimento. Como esse trabalho final se dava por remoção de material, as camadas internas eram reveladas, criando padrões ondulados responsáveis pela confusão na identificação correta desses processos.


Três fatos são ainda dignos de nota com relação a esses processos:

Primeiro: no Damasco Verdadeiro o fio de corte não é uma aresta contínua e sim serrilhada. Os padrões ondulados na lamina eram causados por camadas moles e duras (baixo carbono e alto carbono) de metal. Com a afiação da lamina as camadas mais moles são retiradas mais facilmente que as mais duras, deixando um fio serrilhado microscópico. Esse fio corta materiais moles mais facilmente que um fio continuo, mas na tem boa resistência contra armaduras já que os pequenos dentes tendem a quebrar, cegando o fio rapidamente.

Segundo: o minério de ferro existente na região da cidade de Damasco possui um percentual de 7% de um mineral chamado Wolfram na idade média. Hoje chamamos esse mineral de Tungstênio e hoje ele é usado para fazer os melhores aços do mundo. Isso significa que os ferreiros da região de Damasco foram, sem saber, os primeiros a fabricar aços ligados.

Terceiro: Damasco Verdadeiro parou de ser produzido no século 14 quando o conquistador Tártaro Tamerlão (Timur) invadiu a cidade de Damasco e capturou todos os ferreiros de lá para trabalharem para seu exército. A cidade nunca mais se recuperou como centro metalúrgico depois disso.
 
Agora que você sabe um pouco mais sobre esses antigos processos metalúrgicos, preste mais atenção da próxima vez que você ver uma espada. Você pode se surpreender com o que verá.

Fontes:
http://www.tf.uni-kiel.de/matwis/amat/def_en/articles/road_to_damascus/sword_forum1.html 


http://www.tms.org/pubs/journals/JOM/9809/Verhoeven-9809.html


http://www.tf.uni-kiel.de/matwis/amat/def_en/articles/very_british/body_part1_damascene.html

17 março 2012

Arte feita com chapas II

Os carros alemães com toda sua técnica que me desculpem, mas o design das "banheiras" americanas é imbatível. A briga entre as fábricas americanas para ver quem faz o melhor carro gerou verdadeiras obras de arte feita em chapas, como mostram as imagens abaixo:


1969 Ford Mustang Boss 429 - Raridade de $ 200.000,00

1969 Pontiac GTO Judge

1969 COPO Camaro

1968 Ford Mustang Shelby GT500

1970 Oldsmobile 442

1978 Pontiac Firebird Trans Am


1970 Chevy Chevelle LS6

 

Fonte: http://www.popularmechanics.com/cars/news/vintage-speed/10-surprising-facts-about-american-muscle-cars#slide-1 



 

 

 

02 março 2012

O Aço Damasceno - Parte II - Fabricação


Fonte: Museu Ricardo Brennand, Recife, Pernambuco, Brasil

O processo de fabricação do aço damasceno é possível através da combinação de duas qualidades de aço, duro e macio. Isso é possível através de pacotes de laminas de aço compostos de camadas alternadas. 


Pacote de chapas de aço sendo forjadas com um martelo moderno

O processo de forjamento é então realizado em diversas etapas continuas de martelamento (forjamento) e dobra do pacote, onde as principais etapas são:
  1. Aquecimento do pacote de chapas a altas temperaturas.
  2. O pacote é martelado (forjado) repetidas vezes, reduzindo sua espessura e se tornando chato.
  3. O pacote achatado e comprido é dividido em duas partes.
  4. As duas metades sao colocadas uma sobre a outra e o processo se repete.
Repetindo os passos acima continuamente é possível obter o padrão alternado de camadas de aço duro e macio que é responsável pelas propriedades excepcionais do aço damasceno. Porém, o que parece simples na descrição acima exige não só trabalho pesado mas também habilidade do ferreiro e seus ajudantes. 

Durante o processo as camadas de aço precisam ser soldadas umas as outras na base de marteladas violentíssimas, do contrário o resultado não é satisfatório. Se a temperatura é baixa demais os materiais não se soldam o suficiente, se é muito alta o carbono da camada mais dura queima prejudicando o resultado. Por isso é necessária muita experiência para alcançar um bom resultado.

Peça que ilustra todas as etapas de fabricação de uma lamina de aço damasceno


Um outro efeito desse processo repetitivo de aquecimento e martelamento é o aumento do teor de carbono na liga, fazendo-a mais dura e mais capaz de manter um fio afiado. 

Existe muita confusão quando se trata do processo de fabricação do aço damasceno. Existem alguns outros processos que também produzem lâminas com padrões ondulados na superfície, mas que diferem do que se considera o damasceno verdadeiro. O processo descrito acima é o mais conhecido e usado atualmente. Também foi usado pelos ferreiros celtas da Europa central. Porém esse não é o único processo conhecido, o que causa confusão e ajuda a aumentar o mistério que ronda até hoje o processo de fabricação deste aço com propriedades fantásticas.

Aço Damasceno - PARTE III